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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Resenha da cinematografia do filme 'Batman'


A produção de “Batman”, filme do diretor Tim Burton lançado em 1989, fez um grande mistério sobre todo o material até seu lançamento. A última referência audiovisual do público sobre o homem-morcego era a série dos anos 1960, que trazia elementos muito coloridos e um Batman nada soturno. Essa mudança na visão do herói começou nas histórias em quadrinhos, com o lançamento da graphic novel “O cavaleiro das trevas”, de Frank Miller, em 1985, que apresentava uma versão violenta e obscura do Batman. “O fenômeno deflagrado por Miller não só resgatou a imagem do Morcego como ajudou a levantar a moral dos quadrinhos como um todo. Várias graphic novels depois, os executivos dos estúdios já estavam de orelha em pé com os lucros em potencial de um longa-metragem sério do nosso herói”, recorda o artigo de José Aguiar para o portal de cultura pop Omelete. A adesão a esse tom mais sombrio determinou totalmente a fotografia de Roger Pratt para o filme de 1989.

A sequência inicial, que acompanha uma câmera percorrendo internamente as voltas do logotipo do herói, como se fosse um labirinto, já demonstra ao espectador o estilo de fotografia que Pratt e Burton trarão à produção, com muitas sombras e uma paleta mais escura de cores. A cidade de Gotham City é apresentada como um amontoado de prédios imensos, sufocantes e com pouca iluminação, trazendo excesso de sombras pelas ruas e pontos de luz intercalados com áreas escuras, aumentando a tensão de se andar pela cidade à noite. Durante o dia, nunca há a predominância de sol. O filme traz dias nublados e cinzentos sempre. Essa iluminação da cidade casa com o design de produção, arte e figurino, trazendo o tom sombrio a Gotham e a presença de poucas cores sem saturação. Essa visão é corroborada pelo crítico Lucas Rigaud, do portal CineCinemania. “Em matéria visual, não há o que deva ser criticado em ‘Batman’ (além do pescoço desconfortável de Michael Keaton), já que a produção é um verdadeiro espetáculo de design gráfico, rendendo a equipe de direção de arte um Oscar em 1990, além de ser também um verdadeiro triunfo em matéria de fotografia, ao utilizar pouca saturação, efeitos louváveis de sombra e iluminação.”, escreve.



Para a jornalista Isabel Teles, do Guia Folha, da Folha de S. Paulo, “em uma Gotham violenta, de prédios altos e escuros que remetem ao expressionismo alemão, Batman aparece para limpar as ruas, até que se depara com o arqui-inimigo Coringa.” A influência do expressionismo alemão é constante na assinatura de Tim Burton. O visual alongado e deformado dos prédios de Gotham e o excesso de sombras e contrastes em uma iluminação unida a uma paleta de cores, muitas vezes, quase monocromática, traz a forte herança do movimento que se iniciou no cinema mudo alemão dos anos 1920. Em texto e pesquisa de Katia Kreutz sobre o expressionismo alemão para o site da Academia Internacional de Cinema, a autora define algumas características dos filmes desse movimento. Segundo ela, “a maior parte deles era gravada em estúdios, onde se podia usar iluminação e ângulos de câmera deliberadamente exagerados e dramáticos, para enfatizar algum aspecto particular dos personagens – medo, horror, dor, etc.”, coincidindo diretamente com os recursos usados por Burton e Pratt para filmar o Batman de Michael Keaton. “Com o posicionamento de câmera sempre de baixo para cima, ajudado pela fotografia esfumaçada e sombras que o deixam sempre na penumbra (decisão da direção para esconder as limitações da roupa que jamais o deixava virar o pescoço e, claro, os 1,77m de altura do ator) Batman transmite seriedade e é assustador como sempre imaginamos o personagem”, define o crítico Rodrigo Rodrigues, do portal Maxiverso.


De fato, a cinematografia de Pratt participa muito da construção do Batman. A silhueta escura, marcante e emblemática do homem-morcego é sempre destacada por um fundo mais claro, contribuindo também para o mistério que ronda a personagem. Além dos ângulos baixos, nota-se o cuidado para iluminar sempre determinadas partes do uniforme, de acordo com a cena. Uma saliência moldada na “sobrancelha” da máscara auxilia no aspecto animalesco do vigilante, uma vez que projeta sombra sobre os olhos, que tornariam a personagem mais humana se visíveis. Por outro lado, em cenas nas quais a fotógrafa Vicky Vale (interpretada por Kim Basinger) está conhecendo justamente o aspecto humano do Batman, as sombras tomam conta do personagem quase que por completo, destacando pontos de luz somente em seus olhos. “O visual de Batman mistura elementos típicos do cinema noir, com uma criminalidade pulsante (bem similar a filmes de gangsteres da década de 1930, o filme inclusive parece passado em tal década), com o visual fantástico, de sombras e cenários de angulações distorcidas, do expressionismo do cinema alemão, vide F.W. Murnau” define o Pablo Bazarello, do site Cinema Pop.


O recurso de esconder os olhos sob as sombras é utilizado em alguns momentos por vilões também, que têm suas visões tampadas pelas sombras das abas de seus chapéus. Nesse caso, acredito que o recurso diminua a empatia com personagens que acabamos de conhecer, não nos importando tanto que eles morram, além de aumentar o tom de ameaça.

Toda a iluminação das cenas reflete características da dualidade da personagem principal. Ambientes iluminados servem de pano de fundo para Bruce Wayne enquanto o excesso de sombras e a escuridão dão abrigo ao Batman. O Coringa é a personagem que mais destoa do tom geral do filme, por trazer algumas cores de maior destaque (apesar de trabalhadas com um pouco menos de saturação também), mas fornecem um contraste interessante por ser o louco daquele universo, que realmente não se encaixa. A apresentação dele é cuidadosamente criada, com sua silhueta andando pelas sombras, quase em direção à câmera, e recitando seu discurso de apresentação, até que ele finalmente se apresenta como Coringa sob um ponto de luz que revela sua aparência final e, com a câmera em contra-plongé, torna-se um gigante ameaçador sobre sua presa.


Aliás, Pratt e Burton brincam muito com silhuetas durante a produção. O tempo todo mostrando sombras de personagens ou suas formas contra a luz, aumentando a tensão, o mistério e o perigo que envolvem o filme, quase como um thriller mais brando.


A sequência final com a luta entre Batman e Coringa no topo de uma catedral nada iluminada traz sua iluminação essencialmente oriunda de holofotes se movimentando ao fundo, que culminam em uma catarse de silhuetas e momentos típicos de suspense, tudo muito bem trabalhado e colaborando para a tensão do terceiro ato, até sua resolução.

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