Em uma das
primeiras colaborações entre o diretor Spike Jonze e o cinematógrafo Lance
Acord, o filme “Quero ser John Malkovich” contém uma imersão profunda no
consciente e subconsciente da mente humana por meio do texto de Charlie Kaufman.
Para materializar os diferentes pontos de vista mostrados no roteiro, Acord
utilizou lentes diferentes que dessem percepções visualmente distintas ao
espectador.
Durante grande
parte do filme, o cinematógrafo utiliza objetivas normais, mostrando uma
estrutura narrativa usual para o público e empregada na sua grande maioria dos
filmes. Além disso, não é necessária grande profundidade de campo, uma vez que a
ação está mais concentrada nos diálogos.
Outro ponto que também chamou minha atenção é a constante “câmera
na mão”, na qual os realizadores optam por não utilizar uma steady cam em momentos nos quais o filme
passa uma certa tensão ou seu protagonista está nervoso e inseguro, fazendo
também com que o espectador sinta os efeitos desses sentimentos.
Entretanto,
quando os personagens “entram” no corpo de John Malkovich, Acord utiliza lentes
grande-angulares, para diferenciar o olhar, que neste ponto utiliza a câmera subjetiva.
Junto com a utilização desta lente, os realizadores também colocam uma máscara
arredondada na tela, tampando por completo os cantos. Esse efeito ajuda a
esconder as partes mais contrastantes da distorção promovida pela grande-angular
nos cantos da tela, além de passar a ideia de uma visão por meio dos olhos de
uma pessoa (pelo formato arredondado, assim como a íris e a pupila, e também
auxilia na ideia de que a visão do ser humano consegue manter um foco em objetos
pontuais.
Em um segundo
momento, ao simular a lembrança de um chimpanzé, também com a câmera subjetiva,
o diretor de fotografia utiliza novamente uma grande-angular, mas abre mão do
recurso da máscara nos cantos, deixando bem mais evidente as distorções que
acontecem. Acredito que a decisão também proporciona uma interpretação precisa
ao espectador: enquanto o chimpanzé está recordando algo do seu próprio ponto
de vista, no outro caso, em que a câmera subjetiva é usada para a visão de
Malkovich, há outra pessoa dentro de sua consciência. Ou seja, a máscara
arredondada nos cantos reforça a ideia de que é alguém observando de dentro de
uma “caixa”, com apenas um “furo” para observar o exterior, como se essa
“caixa” fosse a cabeça do ator e o “furo” fosse seus olhos. Essa sensação é corroborada
pelo áudio abafado durante essas sequências, como se fosse a ressonância da voz
dentro do crânio, fortalecendo a sensação do espectador estar dentro de uma
caixa.
Desta forma,
acredito que a utilização da lente grande-angular foi um ótimo recurso para a narrativa do filme “Quero ser John Malkovich”, não só concedendo à produção um
estilo único, como também auxiliando na construção da narrativa e na percepção
da história como um todo pelo público.
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