A produção de
“
Batman”, filme do diretor
Tim Burton lançado em 1989, fez um grande mistério
sobre todo o
material até seu lançamento. A última referência audiovisual do
público sobre o
homem-morcego era a série dos anos 1960, que trazia elementos
muito
coloridos e um Batman nada soturno. Essa mudança na visão do herói
começou nas histórias em quadrinhos, com o lançamento da
graphic novel “O cavaleiro das trevas”, de
Frank Miller, em 1985,
que apresentava uma versão
violenta e obscura do Batman. “O fenômeno deflagrado
por Miller não só resgatou a imagem do Morcego como ajudou a levantar a moral
dos quadrinhos como um todo. Várias
graphic
novels depois, os executivos dos estúdios já estavam de orelha em pé com os
lucros em potencial de um longa-metragem sério do nosso herói”, recorda o
artigo
de José Aguiar para o portal de cultura pop
Omelete. A adesão a esse tom
mais sombrio determinou totalmente a fotografia de
Roger Pratt para o filme de
1989.
A sequência
inicial, que acompanha uma câmera percorrendo internamente as voltas do
logotipo do herói, como se fosse um labirinto, já demonstra ao espectador o
estilo de fotografia que Pratt e Burton trarão à produção, com muitas sombras e
uma
paleta mais escura de cores. A cidade de
Gotham City é apresentada como um
amontoado de
prédios imensos, sufocantes e com pouca iluminação, trazendo
excesso de sombras pelas ruas e
pontos de luz intercalados com áreas escuras,
aumentando a tensão de se andar pela cidade à noite. Durante o dia, nunca há a
predominância de sol. O filme traz
dias nublados e cinzentos sempre. Essa
iluminação da cidade casa com o design de produção, arte e figurino, trazendo o
tom sombrio a Gotham e a presença de poucas cores sem saturação. Essa visão é
corroborada
pelo crítico Lucas Rigaud, do portal CineCinemania. “Em matéria visual, não
há o que deva ser criticado em ‘Batman’ (além do pescoço desconfortável de
Michael Keaton), já que a produção é um verdadeiro
espetáculo de design
gráfico, rendendo a equipe de
direção de arte um Oscar em 1990, além de ser
também um verdadeiro triunfo em matéria de fotografia, ao utilizar pouca
saturação,
efeitos louváveis de sombra e iluminação.”, escreve.
Para a
jornalista
Isabel
Teles, do Guia Folha, da Folha de S. Paulo, “em uma Gotham violenta, de
prédios altos e escuros que remetem ao expressionismo alemão, Batman aparece
para limpar as ruas, até que se depara com o arqui-inimigo
Coringa.” A
influência do
expressionismo alemão é constante na assinatura de Tim Burton. O
visual alongado e deformado dos prédios de Gotham e o
excesso de sombras e
contrastes em uma iluminação unida a uma paleta de cores, muitas vezes, quase
monocromática, traz a forte herança do movimento que se iniciou no cinema mudo
alemão dos anos 1920. Em
texto
e pesquisa de Katia Kreutz sobre o expressionismo alemão para o site da
Academia Internacional de Cinema, a autora define algumas características dos filmes
desse movimento. Segundo ela, “a maior parte deles era gravada em estúdios,
onde se podia usar iluminação e
ângulos de câmera deliberadamente exagerados e
dramáticos, para enfatizar algum aspecto particular dos personagens – medo,
horror, dor, etc.”, coincidindo diretamente com os recursos usados por Burton e
Pratt para filmar o Batman de Michael Keaton. “Com o posicionamento de câmera
sempre de baixo para cima, ajudado pela
fotografia esfumaçada e sombras que o
deixam sempre na
penumbra (decisão da direção para esconder as limitações da
roupa que jamais o deixava virar o pescoço e, claro, os 1,77m de altura do
ator) Batman transmite
seriedade e é assustador como sempre imaginamos o
personagem”, define o crítico
Rodrigo
Rodrigues, do portal Maxiverso.
De fato, a
cinematografia de Pratt participa muito da construção do Batman. A
silhueta
escura, marcante e emblemática do homem-morcego é sempre destacada por um fundo
mais claro, contribuindo também para o
mistério que ronda a personagem. Além
dos ângulos baixos, nota-se o cuidado para iluminar sempre determinadas partes
do uniforme, de acordo com a cena. Uma saliência moldada na “sobrancelha” da
máscara auxilia no
aspecto animalesco do vigilante, uma vez que projeta sombra
sobre os olhos, que tornariam a personagem mais humana se visíveis. Por outro
lado, em cenas nas quais a fotógrafa
Vicky Vale (interpretada por
Kim Basinger)
está conhecendo justamente o aspecto humano do Batman, as sombras tomam conta
do personagem quase que por completo,
destacando pontos de luz somente em seus
olhos. “O visual de Batman mistura elementos típicos do
cinema noir, com
uma
criminalidade pulsante (bem similar a filmes de gangsteres da década de
1930, o filme inclusive parece passado em tal década), com o visual fantástico,
de sombras e cenários de angulações distorcidas, do expressionismo do cinema
alemão, vide F.W. Murnau” define o
Pablo
Bazarello, do site Cinema Pop.
O recurso de
esconder os olhos sob as sombras é utilizado em alguns momentos por vilões
também, que têm suas visões tampadas pelas sombras das abas de seus chapéus.
Nesse caso, acredito que o recurso diminua a empatia com personagens que
acabamos de conhecer, não nos importando tanto que eles morram, além de
aumentar o tom de ameaça.
Toda a
iluminação das cenas reflete características da dualidade da personagem
principal. Ambientes iluminados servem de pano de fundo para Bruce Wayne
enquanto o excesso de sombras e a escuridão dão abrigo ao Batman. O Coringa é a
personagem que mais destoa do tom geral do filme, por trazer algumas cores de maior
destaque (apesar de trabalhadas com um pouco menos de saturação também), mas
fornecem um contraste interessante por ser o louco daquele universo, que
realmente não se encaixa. A apresentação dele é cuidadosamente criada, com sua
silhueta andando pelas sombras, quase em direção à câmera, e recitando seu
discurso de apresentação, até que ele finalmente se apresenta como Coringa sob
um ponto de luz que revela sua aparência final e, com a câmera em contra-plongé,
torna-se um gigante ameaçador sobre sua presa.
Aliás, Pratt e
Burton brincam muito com silhuetas durante a produção. O tempo todo mostrando
sombras de personagens ou suas formas contra a luz, aumentando a tensão, o
mistério e o perigo que envolvem o filme, quase como um thriller mais
brando.
A sequência
final com a luta entre Batman e Coringa no topo de uma catedral nada iluminada
traz sua iluminação essencialmente oriunda de holofotes se movimentando ao
fundo, que culminam em uma catarse de silhuetas e momentos típicos de suspense,
tudo muito bem trabalhado e colaborando para a tensão do terceiro ato, até sua
resolução.