Não sei se o Rio de Janeiro continua lindo, pois é a primeira vez que venho para a tal “cidade maravilhosa”. O motivo: Rio de Janeiro Int’l Film Festival, ou simplesmente Festival do Rio, considerado o maior festival de cinema da América Latina. A idéia era permanecer a primeira parte do evento, que começou dia 24 de setembro e promete ir até dia 8 de outubro. A agenda era a seguinte: sexta-feira, dia 25, os filmes “Tokyo!” e “Aconteceu em Woodstock”; sábado, a produção canadense “Eu matei a minha mãe”; o domingo foi reservado para os debates no pavilhão do Festival; segunda-feira era sessão tripla com “Julie & Julia”, “O Segredo de Seus Olhos” e o mais novo de Almodóvar, “Abraços Partidos”; a terça encerraria minha participação no Festival com “Bellini e o Demônio”, seguido de um debate sobre o filme. Pois bem, vamos conferir o que o Rio nos ofereceu.
Sexta-feira, 25/09 – Começa o Festival
Acordei cedo para conhecer um pouco da cidade. Como disse, é a minha primeira visita ao Rio de Janeiro. Andei de metrô e ônibus, mas o que mais se via mesmo eram táxis. Vários! Por todo lugar. Pego condução até a primeira sala de cinema: Estação Vivo Gávea. O filme é “Tokyo!” que, dividido em três episódios, tem direção do coreano Bong Joon Ho, do francês Michel Gondry e do também francês Leos Carax. Três visões de uma mesma cidade unidas.
Ótimo filme. Gondry constrói uma bela metáfora em cima da situação dos japoneses, que vivem em apartamentos muito apertados. “Quanto maior a empresa, menor o apartamento”, diz a personagem que mora em um apartamento minúsculo e depois brinca com o fato de trabalhar em uma empresa pequena. Já Carax não só ataca diretamente a imprensa japonesa sensacionalista, como critica também vários países, na medida em que cada um cria uma versão para a aparição de um misterioso “terrorista” em Tokyo. “Americanos afirmam que ele faz parte da Al Qaeda” é a melhor frase do episódio. Por sua vez, Joon Ho evidencia a individualidade do morador de Tokyo, contando a história de um Hikikomori, denominação daquele que se isola dentro de casa, uma vez que tudo pode ser entregue em domicílio. Além disso, o diretor coloca um robô entregando pizza! Quer crítica mais direta?
A minha primeira sessão contava com poucas pessoas espalhadas pela sala. Provavelmente uma das primeiras do dia e, por conseguinte, do Festival. Além disso o horário não favorecia e “Tokyo!” não foi um dos destaques, apesar de contar com direção do famoso Michel Gondry (de “Brilho Eterno de uma mente sem Lembranças”). Entretanto, o filme de Ang Lee (de “O Segredo de Brokeback Mountain”), “Aconteceu em Woodstock”, foi um dos mais procurados. Os ingressos para a sessão das 23h30, que acompanhei, se esgotaram às 19h00. A multidão nas portas à espera de alguém que desistisse e vendesse a entrada só aumentava. Tal fato não se deve somente ao prestígio do diretor chinês, mas este foi o filme escolhido para abrir o Festival, sendo um dos dois maiores destaques do mesmo (o segundo é a produção que encerra o evento, “Bastardos Inglórios”). O grupo de garotos à minha frente na fila perdeu uma integrante por conta disso. “Não tem ninguém vendendo ingresso lá fora?”, perguntou a menina à funcionária do local (Estação Espaço de Cinema, em Botafogo). “Olha, hoje já aconteceu de uma pessoa vender o ingresso, quem sabe às vezes acontece novamente?”. Resultado: a menina foi embora tendo que enfrentar um amontoado de pessoas em uma “fila” que ocupava toda área possível dentro do cinema.
Conversando com os garotos restantes do grupo, pergunto se eles acham que o Festival está sendo bem divulgado. “Acho que não” responde um deles. “O pessoal do Rio adora filmes, a maioria só descobre que há o Festival depois que entra no cinema”, ele continua, mas é interrompido pelo colega: “Ah, mas eu vi muita divulgação na internet”, ao que o terceiro complementa, dizendo que “saiu bastante coisa no jornal de hoje”. Discussões à parte, depois de um atraso de 30 minutos, as portas da sala se abrem. É hora de conferir o tão falado filme de Ang Lee.
Ótima escolha para abertura do Festival. O filme foca a diversidade em uma época conturbada ehippie, que ainda traz lembranças da Segunda Grande Guerra. Com vários nomes conhecidos no elenco, todos conseguem ter seu destaque, mas o maior fica com o desconhecido protagonista, Elliot, vivido por Demetri Martin.
Sábado, 26/09 – Folga e estrelas!
Latorraca estava no local para prestigiar o filme que produz, “Vida Vertiginosa”, e mais tarde conferir a produção na qual a atriz Marília Pêra trabalha, “Embarque Imediato”. Outros artistas se encontravam no local, entre eles Paula Bulamarqui, Max Fercondini, Guilherme Berenguer, Bruno de Luca e a mais prestigiada (e de difícil acesso, diga-se de passagem) Marília Pêra. Maldita hora em que deixei a máquina fotográfica em casa com medo da violência da cidade.
Domingo, 27/09 – O pavilhão
Sábado e domingo ofereciam debates de graça no pavilhão do Festival, organizados pelo Rio Market, uma divisão do evento voltada ao público mais específico, que trabalha diretamente com cinema. Produtores, realizadores, roteiristas, estudantes da área, distribuidores, entre outros mais marcaram presença no local. Foi lá que consegui conversar com Marcos Didonet, um dos diretores organizadores do Festival do Rio.
Com 11 anos de história, o evento vem se aprimorando a cada ano. “Com essa perspectiva on-line, temos um feed back grande do público, até na escolha da programação” comenta Didonet. Este ano, cerca de 400 filmes são exibidos em 20 salas, durante 15 dias, para uma algo em torno de 250 a 280 mil pessoas, além de mostras de graça em praças de 20 favelas e parcerias (entre elas uma com o SESC). “O Rio de Janeiro acaba respirando cinema por todos os lados”, conclui Didonet. Ele explica que há 23 mostras, “cada uma busca ou uma estética específica ou um público específico.
Entre elas Didonet destaca a Pocket (“festival de filmes para celular”), Panorama Mundial (“fazemos um coligação com festivais do mundo inteiro”), Expectativa (“a gente garimpa filmes do mundo inteiro de novos diretores”), Midnight Movies (“docult ao trash sempre à meia-noite”), Gay, Docs, Geração (“pra juventude e a criançada”) e, finalmente, a Premier Brasil, que ele define como “a menina dos olhos do Festival”. Essa última é a mostra competitiva do evento, concorrendo ao prêmio Redentor, cada produção em sua categoria. Os filmes (todos brasileiros do mesmo ano), podem ser vistos a preço popular e oferecem debates sobre os mesmos. São os Cine-Encontros, onde o púbico tem oportunidade de discutir o filme que acabou de ver com seus realizadores. “Muitos até voltam para a ilha de edição, dependendo do que se discute”, afirma Didonet.
O evento oferece ainda seminários e discussões sobre 3D, pirataria, o futuro do cinema, e muito mais. “O Festival do Rio viabiliza essa troca de quem está antenado com a indústria do cinema e quem está afim de se aproximar do que de melhor há”, encerra Didonet. O mais interessante e triste, porém, é que o realizador do evento afirmou que 80% dos filmes exibidos não serão distribuídos, oferecendo oportunidades únicas de ver o que se passa no mundo inteiro em termos de cinema.
Depois de me despedir de Didonet, participei do debate “Escrevendo o que o Espectador quer Ver”, que contou com o casseta Cláudio Manoel, o roteirista de novelas Alessandro Marson e o roteirista Cláudio Paiva. Claro que não pude me despedir do pavilhão sem antes conversar com o humorista. “Hoje vou ver ‘O Desinformante’, que eu li o livro e achei legal [...] Já comprei [o ingresso] pela internet e hoje descobri que tenho uma credencial pro cinema”, informa o casseta provocando risos, “tudo que junta gente pra conversar, assistir e se divertir é legal [...], pra mim poderia ter todo mês”.
Segunda-feira, 28/09 – Filme, filme e... Mudança de planos
Como não consigo ficar longe de Hollywood, minha primeira sessão na segunda foi o longa “Julie & Julia”, com Maryl Streep (de “Dúvida”) e Amy Adams (de “Uma noite no Museu 2”). Tentei me preparar, pois o primeiro filme era 12h15 e depois de duas horas de película rodando, teria que sair correndo para conferir a segunda produção do dia às 14h30, para então ter um intervalo um pouco maior e conferir o último (o aguardado Almodóvar) às 19h30.
“Julie & Julia” é baseado no livro homônimo da própria Julie Powell (interpretada por Adams), que venerava a cozinheira Julia Child. A diretora Nora Ephron (de “A Feiticeira”) consegue dar um toque todo especial traçando um paralelo entre a história das duas personagens, principalmente junto com a edição de Richard Marks (de “Espanglês”). Sem contar que Streep está engraçadíssima e super à vontade no papel da cozinheira do século passado.
Quando fui para o segundo filme do dia, “O Segredo de Seus Olhos”, me deparei com uma fila enorme, tão grande quanto a de “Aconteceu em Woodstock”. Entrei na sala e me sentei ao lado de uma senhora que imediatamente levantou-se balbuciando “todo ano é assim! Só porque sou baixinha sempre senta um cabeçudo em minha frente!”. Comecei a rir e conversei com ela. Seu nome é Lia Galdo, ela é paranaense mas mudou-se para o Rio há uns bons anos e disse que sempre confere o Festival, “no mínimo 8 anos!”. A senhora citou o nome de vários filmes que já acompanhara até então. “Acho que o Festival está muito bom esse ano. E gosto muito de filmes latinos!” complementou ela.
O filme começou e tivemos que interromper nossa conversa (mas ela comentava várias cenas comigo durante a exibição). Ah! Vale citar aqui que filme não era legendado, logo a produção do Festival colocou uma pequena segunda tela logo abaixo da maior para projetar uma legenda feita separadamente (o que dificultava ainda mais para que Dona Lia enxergasse).
A produção argentina “O Segredo de Seus Olhos” é uma tragicomédia bem ao estilo novela mexicana: com várias reviravoltas! Chegou um momento em que fiquei confuso com as tantas mudanças de rumo do roteiro, mas no final ele se explica e acaba se mostrando um filme muito bom, apesar de demorar um pouco a engrenar no começo e conter algumas situações pouco críveis (como achar uma pessoa em um estádio de futebol lotado).
Ao sair do cinema, procurei algum lugar para esperar que a última e mais aguardada sessão do dia começasse. Porém, a correria, a falta de alimentação adequada e o sol de matar da Cidade Maravilhosa não me fizeram muito bem. Tive mal estar e, infelizmente (mesmo), abortei a exibição do aclamado filme do diretor espanhol.
Terça-feira, 29/09 – Bellini É um demônio
Frustrado pela perda da última sessão de ontem e animado para conferir um filme da Premier Brasil, fui para o Cine Odeon Petrobrás (na Cinelândia) para conferir “Bellini e o Demônio”, filme baseado no livro homônimo de Tony Bellotto. Conversando com uma jovem, a carioca Luciana Najan, perguntei o que ela estava achando do evento. “Estou achando o Festival mais cheio que o comum”, respondeu ela. Luciana me disse que tinha acompanhado apenas um filme antes do que iríamos assistir a pouco. “Ontem eu vi ‘Doze Jurados e uma Sentença’. Três horas de filme, mas é muito bom!”. Na fila, os funcionários do local distribuíram duas pequenas cédulas com as opções “ótimo”, “bom”, “regular” e “ruim”. Um era referente ao longa que eu já havia previsto assistir, outro citava um curta-metragem que, ao que tudo indicava, iria passar antes de “Bellini”. Abaixo das cédulas vinha escrito: “Participe da escolha do Melhor Longa/Curta-Metragem Ficção do Festival do Rio – Prêmio Redentor – Júri Popular”. Pois é! Ao entrar na sala, uma mulher se dirigiu ao palco para explicar que aquelas cédulas correspondiam à votação que dará o prêmio em dinheiro à produção ganhadora, e que logo após a exibição haveria o debate com os realizadores, o autor do livro, Tony Bellotto, e o protagonista Fábio Assunção.
O curta de nome “Doce Amargo” é muito bom. Simples, trabalha com falas e atores apenas, uma vez que as cenas se concentram apenas nos rostos dos dois personagens e altera somente o ângulo em alguns cortes.
Finalizada a sessão, até gostaria de me dirigir ao debate sobre a produção, mas tinha que pegar ônibus de volta para Bauru (e definitivamente iria me irritar ao tentar debater aquele filme!).
E este foi o final da minha experiência no Rio de Janeiro. O Festival do Rio é uma ótima oportunidade para assistir aos mais variados tipos de filmes (que talvez nunca voltem ao Brasil) e principalmente para quem trabalha com cinema, é uma chance única de conseguir contatos e mais experiência na área. Valeu muito a pena!