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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Crítica: 'Aquarius'

"Aquarius" não é um filme sobre o edifício Aquarius, por mais que tudo indique que o prédio será a atração principal do longa de Kleber Mendonça Filho (de "O som ao redor"). É um filme sobre Clara (Sônia Braga, a eterna Gabriela da versão original da novela homônima).

A história acompanha a vida da jornalista aposentada vivida por Braga. Viúva e mãe de três, Clara mora em um apartamento à beira mar, no edifício Aquarius, no Recife, onde criou seus filhos e mantém lembranças de uma vida inteira. A trama principal começa a se desenrolar quando uma construtora chega ao prédio de Clara querendo derrubá-lo e construir um novo edifício no lugar. A empresa consegue adquirir quase todos os apartamentos, menos o dela. Começa então a batalha da personagem de Braga contra a construtora.

Parece ser sobre o Aquarius mesmo, não é? Mas o prédio em si é um reflexo da personagem principal, sendo os episódios que se passam com a construção, interessantes paralelos com os acontecimentos da vida de Clara e com sua personalidade. Esse é um dos motivos porque digo que o filme é sobre ela. Toda a narrativa ajuda a construir a personalidade de Clara ao espectador, mesmo que algumas passagens sejam irrelevantes para a trama principal, mas ainda assim têm seu propósito ao exaltar características da personagem, mesmo que sutilmente. Para os mais impacientes, isso pode ser um problema, pois o filme chega a quase duas horas e meia de projeção, com partes que podem parecer se arrastar, mas nada que a incrível interpretação de Sônia Braga e o carisma de Clara não compensem. Ver a atriz tão à vontade na pele da personagem nos faz querer assistir a mais e acompanhar sua história.

São todos esses detalhes que fazem do roteiro e da direção de Kleber Mendonça Filho uma produção tão poética, trazendo retratos da bruta e dura realidade em que vivemos, como a luta entre classes e a expansão imobiliária agressiva, junto à delicadeza com a qual trata assuntos difíceis, como o câncer e a sexualidade na velhice.


A fotografia a quatro mãos de Pedro Sotero e Fabrício Tadeu (ambos também de "O som ao redor"), é muito bonita e contribui para a poesia do longa, trazendo vários planos abertos, que mostram a arquitetura da cidade, onde prédios antigos se tornam pequenos e ficam comprimidos entre arranha-céus modernos. A própria abertura do filme, com fotos antigas, ajudam a traçar este paralelo com as imagens atuais de Recife, mostradas ao longo do filme. Nos planos mais intimistas, a câmera também passeia e fica à vontade no pequeno apartamento de Clara, sempre em tons claros e quentes, mostrando a paz e o aconchego do refúgio da personagem.

A direção de arte e a cenografia, ambas assinadas por Thales Junqueira (de "Que horas ela volta?") e Juliano Dornelles (repetindo a parceria com o diretor de "O som ao redor"), ganha pontos na reconstrução do apartamento dos anos 1980 com perfeição, e trazem uma nova roupagem ao mesmo lugar dos dias atuais, preservando móveis e objetos centrais que conservam as lembranças e a nostalgia proporcionadas pelo local.

No mais, "Aquarius" é um filme para se apreciar aos poucos, não só acompanhando o universo de sua personagem central, Clara, mas também mergulhando em sua intimidade, e conhecendo cada detalhe, cada pensamento e cada característica de seu exterior e interior.

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Confira as críticas de outros filmes brasileiros que também me conquistaram: a comédia "De pernas para o ar"  e o drama "Salve Geral".

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