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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Crítica: “Elvis”


            Um turbilhão de cores em uma montagem frenética como um verdadeiro show do Elvis deve ser. Assim se apresenta esta cinebiografia, que é claramente um recorte particular sob um ponto de vista específico, ao longo de suas duas horas e quarenta minutos de projeção.

O filme “Elvis” acompanha algumas décadas na vida de Elvis Presley (interpretado por Austin Butler) e sua relação com seu empresário, o Coronel Tom Parker (vivido por Tom Hanks), enquanto alça voo para o sucesso e se torna o artista que o mundo inteiro conheceu como o rei do rock.

O maestro desta grande orquestra é Baz Luhrmann, que tem em seu currículo “O Grande Gatsby”, “Austrália”, “Romeu + Julieta” e o sucesso “Moulin Rouge – Amor em Vermelho”. Luhrmann assina como corroterista e diretor do longa “Elvis”, trazendo sequências frenéticas do começo ao fim, com cenas entrecortadas por letreiros explicativos (e bem chamativos) o tempo todo, o que já é uma característica visual marcante do diretor, mas que neste caso também funciona dentro do contexto de “showbiz” em que a história está envolta.

Tom Hanks interpreta o Coronel Tom Parker.

Elvis ao lado de B.B. King, interpretado
por Kelvin Harrison Jr.


Aliás, o narrador do filme é o Coronel Tom Parker, interpretado por um Tom Hanks canastrão e bem vilanesco, que chega a ser um pouco caricato. A percepção da vida de Elvis Presley pelos olhos do Coronel ajuda a retratar o artista como uma figura muito mais bondosa e inocente do que se sabe, sendo também o amparo ideal para o roteiro não se aprofundar tanto na vida íntima de Presley ou em questões polêmicas como toda a relação de Elvis com a população negra norte-americana, assunto esse que aparece mais na primeira metade do filme e se perde na segunda metade. Afinal, Hanks explica desde o começo que vai contar “a história da lenda”, e assim o filme o faz ao colocar o artista como uma estrela brilhante que foi vítima das pessoas a sua volta, e focando no estrelato dele. A própria decadência dos últimos anos de Elvis é pincelada de maneira apressada ao final da produção, sem muito desenvolvimento.

Mas isso não tira a empolgação e o brilhantismo de uma obra que integra perfeitamente a trilha realizada por Elliott Wheeler junto às cenas montadas pelos editores Jonathan Redmond e Matt Villa (mesma equipe fez “O Grande Gatsby” com Luhrmann), em uma sintonia incrível que dá o ritmo que o filme clama. Outro ponto interessante da trilha é como Wheeler incorpora as músicas de Presley na trama com releituras feitas por outros músicos e também intercaladas com outras canções.

Austin Butler como Elvis Presley.

Austin Butler apresenta uma atuação exímia ao encarnar o rei do rock, entregando bastante emoção e uma interpretação que deve angariar prêmios ao ator, uma vez que teve apoio de uma maquiagem muito bem feita, assim como a que transforma Hanks no Coronel. Outro ponto muito positivo da obra é a fotografia detalhista e bem trabalhada de Mandy Walker (que contribuiu com o diretor em “Austrália”), ambientando as cenas nos momentos de alegria ao trazer saturação máxima de cores que o próprio Elvis pede, e mesmo em momentos de angústia ao descolorir a cena para trazer o peso que aquele instante deve ter. Tudo isso com algumas recriações de movimentos de câmera dos anos 1950 e 1960 ao retratar os shows do rei do rock de maneira fidedigna aos registros da época.

No mais, “Elvis” é uma cinebiografia leve, bem elaborada tecnicamente, que deve trazer diversão e bastante do frenesi que envolvia as apresentações de Presley, colocando o artista em um pedestal, sem nunca se aprofundar demais em sua intimidade ou em questões sociais mais complexas. É um bom filme para viver um pouco da época de ouro do rei do rock.




terça-feira, 29 de outubro de 2019

Análise do filme 'Quero ser John Malkovich' por suas objetivas


Em uma das primeiras colaborações entre o diretor Spike Jonze e o cinematógrafo Lance Acord, o filme “Quero ser John Malkovich” contém uma imersão profunda no consciente e subconsciente da mente humana por meio do texto de Charlie Kaufman. Para materializar os diferentes pontos de vista mostrados no roteiro, Acord utilizou lentes diferentes que dessem percepções visualmente distintas ao espectador.

Durante grande parte do filme, o cinematógrafo utiliza objetivas normais, mostrando uma estrutura narrativa usual para o público e empregada na sua grande maioria dos filmes. Além disso, não é necessária grande profundidade de campo, uma vez que a ação está mais concentrada nos diálogos

Outro ponto que também chamou minha atenção é a constante “câmera na mão”, na qual os realizadores optam por não utilizar uma steady cam em momentos nos quais o filme passa uma certa tensão ou seu protagonista está nervoso e inseguro, fazendo também com que o espectador sinta os efeitos desses sentimentos.

Entretanto, quando os personagens “entram” no corpo de John Malkovich, Acord utiliza lentes grande-angulares, para diferenciar o olhar, que neste ponto utiliza a câmera subjetiva. Junto com a utilização desta lente, os realizadores também colocam uma máscara arredondada na tela, tampando por completo os cantos. Esse efeito ajuda a esconder as partes mais contrastantes da distorção promovida pela grande-angular nos cantos da tela, além de passar a ideia de uma visão por meio dos olhos de uma pessoa (pelo formato arredondado, assim como a íris e a pupila, e também auxilia na ideia de que a visão do ser humano consegue manter um foco em objetos pontuais.

Em um segundo momento, ao simular a lembrança de um chimpanzé, também com a câmera subjetiva, o diretor de fotografia utiliza novamente uma grande-angular, mas abre mão do recurso da máscara nos cantos, deixando bem mais evidente as distorções que acontecem. Acredito que a decisão também proporciona uma interpretação precisa ao espectador: enquanto o chimpanzé está recordando algo do seu próprio ponto de vista, no outro caso, em que a câmera subjetiva é usada para a visão de Malkovich, há outra pessoa dentro de sua consciência. Ou seja, a máscara arredondada nos cantos reforça a ideia de que é alguém observando de dentro de uma “caixa”, com apenas um “furo” para observar o exterior, como se essa “caixa” fosse a cabeça do ator e o “furo” fosse seus olhos. Essa sensação é corroborada pelo áudio abafado durante essas sequências, como se fosse a ressonância da voz dentro do crânio, fortalecendo a sensação do espectador estar dentro de uma caixa.

Desta forma, acredito que a utilização da lente grande-angular foi um ótimo recurso para a narrativa do filme “Quero ser John Malkovich”, não só concedendo à produção um estilo único, como também auxiliando na construção da narrativa e na percepção da história como um todo pelo público.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Resenha da cinematografia do filme 'Batman'


A produção de “Batman”, filme do diretor Tim Burton lançado em 1989, fez um grande mistério sobre todo o material até seu lançamento. A última referência audiovisual do público sobre o homem-morcego era a série dos anos 1960, que trazia elementos muito coloridos e um Batman nada soturno. Essa mudança na visão do herói começou nas histórias em quadrinhos, com o lançamento da graphic novel “O cavaleiro das trevas”, de Frank Miller, em 1985, que apresentava uma versão violenta e obscura do Batman. “O fenômeno deflagrado por Miller não só resgatou a imagem do Morcego como ajudou a levantar a moral dos quadrinhos como um todo. Várias graphic novels depois, os executivos dos estúdios já estavam de orelha em pé com os lucros em potencial de um longa-metragem sério do nosso herói”, recorda o artigo de José Aguiar para o portal de cultura pop Omelete. A adesão a esse tom mais sombrio determinou totalmente a fotografia de Roger Pratt para o filme de 1989.

A sequência inicial, que acompanha uma câmera percorrendo internamente as voltas do logotipo do herói, como se fosse um labirinto, já demonstra ao espectador o estilo de fotografia que Pratt e Burton trarão à produção, com muitas sombras e uma paleta mais escura de cores. A cidade de Gotham City é apresentada como um amontoado de prédios imensos, sufocantes e com pouca iluminação, trazendo excesso de sombras pelas ruas e pontos de luz intercalados com áreas escuras, aumentando a tensão de se andar pela cidade à noite. Durante o dia, nunca há a predominância de sol. O filme traz dias nublados e cinzentos sempre. Essa iluminação da cidade casa com o design de produção, arte e figurino, trazendo o tom sombrio a Gotham e a presença de poucas cores sem saturação. Essa visão é corroborada pelo crítico Lucas Rigaud, do portal CineCinemania. “Em matéria visual, não há o que deva ser criticado em ‘Batman’ (além do pescoço desconfortável de Michael Keaton), já que a produção é um verdadeiro espetáculo de design gráfico, rendendo a equipe de direção de arte um Oscar em 1990, além de ser também um verdadeiro triunfo em matéria de fotografia, ao utilizar pouca saturação, efeitos louváveis de sombra e iluminação.”, escreve.



Para a jornalista Isabel Teles, do Guia Folha, da Folha de S. Paulo, “em uma Gotham violenta, de prédios altos e escuros que remetem ao expressionismo alemão, Batman aparece para limpar as ruas, até que se depara com o arqui-inimigo Coringa.” A influência do expressionismo alemão é constante na assinatura de Tim Burton. O visual alongado e deformado dos prédios de Gotham e o excesso de sombras e contrastes em uma iluminação unida a uma paleta de cores, muitas vezes, quase monocromática, traz a forte herança do movimento que se iniciou no cinema mudo alemão dos anos 1920. Em texto e pesquisa de Katia Kreutz sobre o expressionismo alemão para o site da Academia Internacional de Cinema, a autora define algumas características dos filmes desse movimento. Segundo ela, “a maior parte deles era gravada em estúdios, onde se podia usar iluminação e ângulos de câmera deliberadamente exagerados e dramáticos, para enfatizar algum aspecto particular dos personagens – medo, horror, dor, etc.”, coincidindo diretamente com os recursos usados por Burton e Pratt para filmar o Batman de Michael Keaton. “Com o posicionamento de câmera sempre de baixo para cima, ajudado pela fotografia esfumaçada e sombras que o deixam sempre na penumbra (decisão da direção para esconder as limitações da roupa que jamais o deixava virar o pescoço e, claro, os 1,77m de altura do ator) Batman transmite seriedade e é assustador como sempre imaginamos o personagem”, define o crítico Rodrigo Rodrigues, do portal Maxiverso.


De fato, a cinematografia de Pratt participa muito da construção do Batman. A silhueta escura, marcante e emblemática do homem-morcego é sempre destacada por um fundo mais claro, contribuindo também para o mistério que ronda a personagem. Além dos ângulos baixos, nota-se o cuidado para iluminar sempre determinadas partes do uniforme, de acordo com a cena. Uma saliência moldada na “sobrancelha” da máscara auxilia no aspecto animalesco do vigilante, uma vez que projeta sombra sobre os olhos, que tornariam a personagem mais humana se visíveis. Por outro lado, em cenas nas quais a fotógrafa Vicky Vale (interpretada por Kim Basinger) está conhecendo justamente o aspecto humano do Batman, as sombras tomam conta do personagem quase que por completo, destacando pontos de luz somente em seus olhos. “O visual de Batman mistura elementos típicos do cinema noir, com uma criminalidade pulsante (bem similar a filmes de gangsteres da década de 1930, o filme inclusive parece passado em tal década), com o visual fantástico, de sombras e cenários de angulações distorcidas, do expressionismo do cinema alemão, vide F.W. Murnau” define o Pablo Bazarello, do site Cinema Pop.


O recurso de esconder os olhos sob as sombras é utilizado em alguns momentos por vilões também, que têm suas visões tampadas pelas sombras das abas de seus chapéus. Nesse caso, acredito que o recurso diminua a empatia com personagens que acabamos de conhecer, não nos importando tanto que eles morram, além de aumentar o tom de ameaça.

Toda a iluminação das cenas reflete características da dualidade da personagem principal. Ambientes iluminados servem de pano de fundo para Bruce Wayne enquanto o excesso de sombras e a escuridão dão abrigo ao Batman. O Coringa é a personagem que mais destoa do tom geral do filme, por trazer algumas cores de maior destaque (apesar de trabalhadas com um pouco menos de saturação também), mas fornecem um contraste interessante por ser o louco daquele universo, que realmente não se encaixa. A apresentação dele é cuidadosamente criada, com sua silhueta andando pelas sombras, quase em direção à câmera, e recitando seu discurso de apresentação, até que ele finalmente se apresenta como Coringa sob um ponto de luz que revela sua aparência final e, com a câmera em contra-plongé, torna-se um gigante ameaçador sobre sua presa.


Aliás, Pratt e Burton brincam muito com silhuetas durante a produção. O tempo todo mostrando sombras de personagens ou suas formas contra a luz, aumentando a tensão, o mistério e o perigo que envolvem o filme, quase como um thriller mais brando.


A sequência final com a luta entre Batman e Coringa no topo de uma catedral nada iluminada traz sua iluminação essencialmente oriunda de holofotes se movimentando ao fundo, que culminam em uma catarse de silhuetas e momentos típicos de suspense, tudo muito bem trabalhado e colaborando para a tensão do terceiro ato, até sua resolução.

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